16/12/2010 16:26

Seo Jair

O texto abaixo é uma homenagem ao meu amigo e mestre Jair Breda, que me ensinou, quando menino, os números da contabilidade e os caminhos da vida.

 

Há algo errado com a Regente Feijó, ali no cruzamento com a Bernardino. Passei por lá e algo aconteceu, não é mais o mesmo bom e velho cruzamento que conheci há mais de 30 anos.

É que o Seo Jair, do 1.251 não tem aparecido. Depois de tanto tempo parece ter abandonado as jornadas diárias, que começavam muito cedo em meio a tantas pastas, notas e máquinas, em meio a tantas histórias do comércio da cidade.

Seo Jair, cunhado do Mário, dupla que fazia o “Balanço” de cabeça pra baixo, de baixo pra cima, e que dispensava o uso do “Flash” nas mais assertivas linhas numéricas dos pesados livros de capa preta que decoravam o ambiente contábil.

O que houve com aquele pequeno homenzarrão, de testa franzida que teimava em ensaiar o mau-humor e cujo canto da boca contrariava os ensaios superiores nas prazerosas baforadas em seu Benson & Hedges? Estaria de férias? Difícil, seo Jair quase nunca saía de férias. Aposentou, será?  Improvável, seo Jair não seria capaz de tão desafiadora proeza, de se afastar daquele cruzamento que adotou e que transformou em tão ilustre.

Seo Jair descansou. É isso, ponto final. Cansou de cuidar de tanta gente. Sim, porque o cara não era simplesmente um patrão ou um contador, era na verdade um grande professor, que ensinava a todos o “Conta Corrente” da vida, além dos números. Disciplinador, enérgico, bravo, impaciente, líder, generoso, pai, filho, marido, irmão, cunhado, avô, tio, sogro, cristão, católico (e muito praticante), agente, amigo...ufa...isso tudo deve mesmo tê-lo esgotado, precisava de um descanso.

Mal sabe ele que a gente não vai dar esse descanso. Que muita gente vai clamar seu socorro nas horas mais difíceis. Que os deuses da contabilidade o convocarão no menor sinal de perigo fiscal ou nas diferenças do sub-total. Seo Jair, me socorra, gritarão seus alunos na terra! Vô, me ajuda! E lá estará o seu espírito, intercedendo por todos. Blasfêmia, diria ele. Mas no bom sentido, digo eu.

Mas a maior lição que o professor Jair ensinava a todos era a lição sagrada da família. Uma família com vários sobrenomes, mas com um só DNA, o da honestidade, do caráter, da retidão. A família contida no coração, na serenidade e no olhar afetuoso de Idalina, sua fiel companheira, que mais do que ninguém contribuiu com o aprendizado dessa lição, que a gente carrega pro resto da vida e acaba passando pros nossos filhos e de cujos professores e sala de aula a gente não esquece, sabe? A minha “tinteiro”, de tantas lições e jornadas e de pena amaciada está bem guardada, como um diploma na parede, só faltou sua assinatura, seo Jair, mas o senhor assinou minha personalidade e isso muitos enxergam.

E por falar em família, o que mais pode um homem bom querer e merecer senão subir aos céus contemplado pela sua família inteira (repito, de muitos sobrenomes) ao solo de um trompete pomposo, aplausos respeitosos e lágrimas precoces de saudade? 

Não tive tempo de me despedir, desculpe meu atraso, mestre.

“Té amanhã” seo Jair, se Deus quiser.    

 

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